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NOTÍCIAS

25 de fevereiro de 2019

Lei que autoriza União a bloquear bens de devedor do Fisco é inconstitucional, dizem especialistas

Advogados tributaristas alegam que a Lei 13.606, sancionada na quarta, 10, permite à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que determine a órgãos financeiros e de registros de bens que impeçam movimentações e alienações de quem esteja inscrito em dívida ativa

A autorização de penhora e bloqueio de bens pelo Fisco sem autorização da Justiça, dada pela Lei 13.606, sancionada nesta quarta-feira, 10, já tem motivos para ter sua constitucionalidade questionada no Supremo Tribunal Federal, segundo avaliação de especialistas.

A regra permite que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, sem precisar de uma ação judicial, determine a órgãos financeiros e de registros de bens que impeçam movimentações e alienações de quem esteja inscrito em dívida ativa, ‘mesmo que injustamente’.

Segundo advogados, a nova lei viola súmulas do Supremo Tribunal Federal, artigos da Constituição Federal, a Lei de Execução Fiscal, o Código Tributário Nacional e o Código de Processo Civil.

Para eles, ‘os primeiros bloqueios já levarão ações à Justiça que em breve chegarão ao Supremo’.

Confira o que dizem os especialistas.

Frederico Bocchi Siqueira, advogado tributarista do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados.

“A redação publicada concedeu à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a liberalidade de (i) comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos de proteção ao crédito e (ii) averbar a CDA nos órgãos de registro de bens e direitos, tornando-os indisponíveis, caso o débito inscrito não seja quitado em 5 dias. O dispositivo suprime a necessidade de autorização judicial para tanto, ferindo, assim, o contraditório e o devido processo legal, em situação de flagrante desequilíbrio entre os sujeitos da relação jurídico-tributária. Nesse contexto, esse dispositivo poderá ser objeto de várias discussões em relação à sua constitucionalidade.”

Guilherme Paes de Barros Geraldi, advogado tributarista do Simões Advogados.

“A constrição patrimonial feita sem a intervenção do Poder Judiciário conflita, de forma direta, com o artigo 5.º, inciso LIV, da Constituição Federal, segundo o qual ‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’.

Além disso, a Constituição Federal, em seu artigo 146, reservou à lei complementar o estabelecimento de normas gerais a respeito do crédito tributário, o que inclui suas garantias e privilégios. Desse modo, não poderia uma lei ordinária criar uma nova modalidade de garantia para o crédito tributário, tal qual a Lei 13.606/2018 pretende fazer.

Tanto é assim, que o Código Tributário Nacional, recepcionado como lei complementar pela Constituição Federal de 1988, tem um capítulo próprio, intitulado ‘Das Garantias e Privilégios do Crédito Tributário’, para tratar do tema. Ao dispor sobre essas garantias e privilégios, esse capítulo já prevê, no artigo 185-A, a possibilidade de bloqueio de bens do devedor tributário, desde que determinado por um juiz.”

Leonardo Castro, sócio do escritório Costa Tavares Paes Advogados.

“Em favor da lei, o Fisco argumenta que a nova forma de bloqueio seria legal pois seus dispositivos são uma complementação ao que prevê o artigo 185 do Código Tributário Nacional, no que se refere à fraude à execução em ações de cobrança de tributos.

Mas essa é uma generalização perigosa. O parágrafo único do artigo 185 prevê que ele não se aplica se o devedor reservou bens ou rendas suficientes para o pagamento total da dívida.

Ademais, não se pode presumir que qualquer alienação de imóvel ou veículo, por parte do contribuinte, seja necessariamente fraudulenta. Para isso é que se exige uma decisão judicial, de um magistrado que vai analisar a situação específica e verificar se há provas de fraude.

Se não for o caso, não deve haver bloqueio dos bens.

Muitas vezes o contribuinte precisa transformar ativos em caixa, inclusive para discutir outras ações judiciais, contratar advogados, honrar dívidas trabalhistas etc.

A generalização da presunção de fraude é extremamente perigosa e totalmente inconstitucional, em razão de diversos princípios, como o da presunção de inocência, do devido processo legal, da ampla defesa, da proporcionalidade, da razoabilidade e de propriedade do contribuinte.

Na prática, é mais uma tentativa do Fisco de impor sanções políticas coercitivas para garantia do crédito tributário que, diga-se, ainda está em discussão na ação de execução fiscal.

Nesses processos, não se sabe, num momento inicial, se o tributo é ou não devido.

Portanto, bloquear bens sem decisão judicial tira do contribuinte a chance de se defender para comprovar que não houve fraude à execução.

Vão nesse sentido as Súmulas do STF 70 e 547, que deixam clara a proibição de medidas políticas para forçar o contribuinte a quitar o débito.

Note-se, ainda, que sob a perspectiva formal, as garantias e privilégios do crédito tributário seriam normas gerais tributárias que, conforme o artigo 146 da Constituição Federal, devem ser instituídos por uma lei complementar, e não por uma lei ordinária, como é a Lei 13.606.

O novo Código de Processo Civil, quando trata das normas de execução contra a Fazenda Pública e suas garantias e privilégios, trata de forma ampla.

Especificamente para matéria tributária, o correto é aplicar a Lei de Execuções Fiscais primeiramente. Utilizar outras normas de regra geral para dar suporte ao entendimento de que esse bloqueio é lícito é uma tentativa de se esquivar das normas efetivamente aplicáveis ao caso.”

Leiner Salmaso Salinas, advogado tributarista e sócio do PLKC Advogados:

“A norma contida no mencionado art. 20-B, inserido na Lei 10.522/2002, que trata da dívida ativa da União, fere diversos princípios constitucionais e dispositivos legais e, consequentemente, pode ser contestada judicialmente, de forma a evitar restrição patrimonial antes de iniciada a ação de execução fiscal. É preciso ter especial atenção ao receber notificações informativas sobre a inscrição de valores em dívida ativa da União para imediatamente tomar providências contra a constrição de bens e valores.”

Daniel Corrêa Szelbracikowski, advogado tributarista sócio da Advocacia Dias de Souza.

“Os novos poderes da PGFN criam uma situação muito grave. Há problemas de constitucionalidade, já que fica autorizada a constrição de bens sem ordem judicial. Além disso, há ofensa ao direito de propriedade, ao devido processo legal e à inafastabilidade da jurisdição.”

COM A PALAVRA, A PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL

a) A indisponibilidade de bens não está inserida na reserva constitucional de jurisdição, entendida como o conjunto de medidas que somente podem ser praticados pelo Poder Judiciário, com exclusividade. Esse é o entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal – STF, conforme decisão proferida no Mandado de Segurança – MS nº 23452/RJ, que analisou os poderes instrutórios e de investigação das Comissões Parlamentares de Inquérito – CPIs. Nesse ponto e segundo citação do Ministro Celso de Mello: “o postulado de reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política , somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem haja eventualmente atribuído o exercício de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”.
Neste contexto, estão inseridos na reserva constitucional de jurisdição apenas os seguintes atos, que só podem ser praticados pelo Poder Judiciário: diligência de busca domiciliar; quebra do sigilo de comunicações telefônicas; e ordem de prisão (salvo no caso de flagrante delito). Dessa forma, como a indisponibilidade patrimonial não está inserida nessa lista, nada impede que o legislador ordinário confira tal atribuição a órgão diverso do Poder Judiciário.

b) Não há qualquer ofensa ao direito de propriedade. A averbação “pré-executória” visa apenas bloquear o patrimônio dos devedores enquanto a PGFN ajuíza a execução fiscal já indicando, na petição inicial, o bem indisponibilizado. O objetivo é apenas garantir que o devedor não aliene o patrimônio a terceiros, frustrando a cobrança executiva. Caberá ao Poder Judiciário expropriar o patrimônio do devedor, após a conversão da indisponibilidade em penhora, ou determinar o levantamento da indisponibilidade caso o devedor apresente outros bens em garantia.

c) Até mesmo a expropriação patrimonial é ato que está fora daqueles protegidos pela reserva constitucional de jurisdição. Há vários atos praticados pela administração que efetivamente retiram os bens do domínio dos devedores, a exemplo da pena de perdimento prevista no regulamento aduaneiro. Nesse caso, a expropriação ocorre por decisão administrativa, sem qualquer interferência do Poder Judiciário. Já a “averbação pré-executória” aprovada por meio da Lei 13.606/2018, como afirmado, não chega a esse ponto, servindo apenas como medida de indisponibilidade até que a execução fiscal seja ajuizada. A expropriação ficará a cargo do Poder Judiciário.

d) O objetivo da medida aprovada, na verdade, é reduzir a quantidade de execuções fiscais enviadas ao Poder Judiciário, a partir do momento em que só serão ajuizadas cobranças quando forem localizados bens em nome dos devedores.

e) A medida visa, igualmente, proteger os interesses de terceiros de boa-fé. Isso porque, nos termos do art. 185 do Código Tributário Nacional – CTN, a alienação de bens após a inscrição em dívida ativa é considerada fraudulenta. Como não havia qualquer anotação nos órgãos de registro dos bens, os terceiros adquirentes não tinham conhecimento da situação do devedor e acabavam comprando bens alienados em fraude, com o risco de sofrer posterior penhora para pagamento das dívidas do alienante. Com a averbação, todos os adquirentes conhecerão a situação do devedor e poderão se prevenir em relação à alienação fraudulenta.

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Art. 25 da Lei 13.606 de 10/01/2018

Art. 25.  A Lei no 10.522, de 19 de julho de 2002, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 20-B, 20-C, 20-D e 20-E:

“Art. 20-B. Inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados

  • 1oA notificação será expedida por via eletrônica ou postal para o endereço do devedor e será considerada entregue depois de decorridos quinze dias da respectiva expedição.
  • 2oPresume-se válida a notificação expedida para o endereço informado pelo contribuinte ou responsável à Fazenda Pública.
  • 3oNão pago o débito no prazo fixado no caputdeste artigo, a Fazenda Pública poderá:

I – comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres; e

II – averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis.”

“Art. 20-C.  A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá condicionar o ajuizamento de execuções fiscais à verificação de indícios de bens, direitos ou atividade econômica dos devedores ou corresponsáveis, desde que úteis à satisfação integral ou parcial dos débitos a serem executados.

Parágrafo único. Compete ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional definir os limites, critérios e parâmetros para o ajuizamento da ação de que trata o caput deste artigo, observados os critérios de racionalidade, economicidade e eficiência.”

“Art. 20-D.  (VETADO).”

‘Art. 20-D.  Sem prejuízo da utilização das medidas judicias para recuperação e acautelamento dos créditos inscritos, se houver indícios da prática de ato ilícito previsto na legislação tributária, civil e empresarial como causa de responsabilidade de terceiros por parte do contribuinte, sócios, administradores, pessoas relacionadas e demais responsáveis, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá, a critério exclusivo da autoridade fazendária:           (Promulgação)

I – notificar as pessoas de que trata o caput deste artigo ou terceiros para prestar depoimentos ou esclarecimentos;

II – requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da Administração Pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

III – instaurar procedimento administrativo para apuração de responsabilidade por débito inscrito em dívida ativa da União, ajuizado ou não, observadas, no que couber, as disposições da Lei no9.784, de 29 de janeiro de 1999.’”

“Art. 20-E. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional editará atos complementares para o fiel cumprimento do disposto nos arts. 20-B, 20-C e 20-D desta Lei.”